quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

É Físico Demais (Parte 2)


A noite passada ele voltou.
Ainda sinto o cheiro a Black Devil espalhado pela casa, o maldito não me ouve quando o peço para parar; nunca o faz. Não percebe quando estou séria e quando estou a pedir por mais, não me conhece, apenas sabe o meu sabor.
Trouxe a sua desordem habitual, as suas inúteis ordens de homem da casa que não lhe pertence e da vida que não quer mais. Trouxe o necessário para que eu desejasse que me levasse consigo. Trouxe a sua barba mal feita, o seu cabelo desajeitado, a sua roupa com gosto de preciso tanto que voltes a cuidar de mim, tenho tanta saudade de ser tratado como gente.

Mas também trouxe o nome dela; disse Valquíria, vezes repetidas enquanto estava em meu corpo, pensou nela quando beijava minha boca. Está preso a ela, vem para dentro de mim em liberdade condicional. Traz uma transa maravilhosa e uma falta de amor impiedosa; toca em minha pele por tesão. Nem de longe isto soa a amor. Tem vício do sabor.
Ele está sempre a oscilar entre entradas e saídas do meu corpo, da minha casa, da minha vida. Fomos de amantes à desconhecidos, rápido demais... Por isso, nossos corpos ainda se conhecem, nem a dor interrompe essa condução de calor.

Depois que se vem, ele se esvai e eu me esvazio. Então, meu corpo sente o efeito da visita por dias seguidos, até que, o físico volta a desaparecer como veio: em silêncio desesperado.
E, outra vez, só me sobra a lembrança do seu sabor, sua roupa espalhada pela casa, o prato que ele não tocou antes de sair.
Fico Hiroxima e Nagasaki, a sentir o efeito da explosão de prazer e da dor atómica; e os espaços que ele deixou vazios em mim, são preenchidos por chamas de saudade.
Tenho medo desta forma como as lágrimas mudam constantemente de lugar. De como ontem os meus sentimentos desceram pelas pernas, e, hoje eles me descem pelos olhos.

Tenho medo do preço alto que tenho de pagar por tanto prazer, nunca pensei em pagar com a alma pela satisfação da carne. Não estava previsto apaixonar-me.
Sinto que meu silêncio lhe dá prazer. Confirmo quando diz: cala e sente; antes de cairmos os dois no calor que nossos corpos deixam no ar, sabe bem.

Queria poder dizer-lhe isto, mas ele vai embora antes que eu desperte, por vezes tenho até dúvida se ele já cá esteve.
Escrevo a gritar perguntas: O que quer? O que somos? Porquê que procura seu prazer em minha dor?
E, de repente, me vejo a olhar para todos lados na esperança de ter as respostas devolvidas pelo vazio que deixou em meus dias. Me vejo a cobrar o cumprimento da promessa que nunca foi feita, o ponto final da história que nunca foi escrita. Inundo meu corpo em lágrimas, mergulho nelas e morro afogada em minha própria fragilidade.

São vazios a mais; é físico demais.

Por: Leocádia Valoi

4 comentários:

  1. Textos assim, gosto !! Esta magnifico o texto. Parabens!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. "Queria poder dizer lhe isto, mas ele vai embora antes que eu desperte. As vezes ate tenho duvida que ele ca esteve "

    Esplendido !

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  4. WOW! Até me vem lágrimas aos olhos, eles não aguentam ver palavras tão lindas.
    Tão intensamente de facto !!
    Parabéns

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